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19 de julho de 2017
5 razões para comprar Superman: Entre a Foice e o Martelo
Sobre seguir em frente
Eu não acredito que o Inferno seja um lugar cheio de fumaça, cheiro de enxofre e repleto de pessoas que eu não gostava em vida.
O Inferno é algo cotidiano.
Conversando com alguns amigos recentemente, tive sérios problemas para aceitar ou entender todas as mudanças que haviam ocorrido na última década em nossas vidas. O quão distantes ficamos. Quanta coisa acabou passando e, por razões incontroláveis ou imutáveis agora, deixamos de fazer.
Bom, foi uma conversa muito agradável e, mesmo ainda sentindo aquele gosto ruim das coisas que gostaria de alterar no passado, devemos seguir.
Isso me faz lembrar de uma frase clichê da série da Netflix, Luke Cage. Certo personagem repete várias vezes para o protagonista “always foward” ou “sempre em frente”.
Óbvio que no começo é sobre o estado como o Luke terminou a temporada de Jéssica Jones, agindo como se estivesse fugindo e se escondendo. Principalmente porque o personagem descobriu a verdade sobre a morte da sua esposa, mas não há nada que possa fazer para resolver.
Eventualmente Luke encontra o seu papel como herói. Acidentalmente. Meio que forçado pelo seu antagonista pessoal. Novamente a Netflix explora usar passados quebrados, ou simplesmente traumáticos, de personagens para justificar como eles chegaram ali e por qual motivo é plenamente possível simpatizar em alguns momentos com certos comportamentos.
Não quero tornar isso review da série, passemos para a próxima referência.
Quando montei meu PC em 2014, a placa de vídeo que comprei trazia um código de ativação do jogo Borderlands 2. Como sempre joguei jogos de tiro no console (com exceção de CS na Lan House, mas sempre fui bem ruim e não vingou) e achava uma merda conseguir mirar, não dei muita atenção para o título. Eventualmente uma amiga disse que o jogo era muito bom, com uma história insana e um pouquinho de RPG. E eu fui jogar principalmente por esse último.
Acabei me deparando com uma ótima ficção científica, misturando humor, exploração, muitos tiros e insanidade.
durante a história, sem querer lançar spoilers, certo personagem morre e te deixa uma arma de lembrança. Nessa arma, uma inscrição de um ditado hebreu:
“Say not in grief: “He is no more.” but live in thankfulness that he was.”
Em tradução livre ficaria algo como:
“Não diga em pesar: “Ele se foi.” em vez disso viva em gratidão que ele foi/existiu.”
É possível que parte do significado ou da exatidão se perca com a mudança de idiomas, mas a mensagem é clara, não devemos apenas ficar tristes pelas coisas que acabaram, isso pode desmerecer o quão boas elas foram.
Então, dentre várias lições e mensagens presentes em Luke Cage e Borderlands 2, quero ressaltar as que dizem para não nos deixar abater e seguir em frente, em vez de simplesmente nos largarmos inertes em certos momentos
(tô escrevendo isso e pensando em todas as crises que já tive e fiquei deitado sem conseguir me mexer)
.
Ah, antes de encerrar, quero deixar outra frase de motivação:
“Siga em frente, olhe para o lado
Se liga no mestiço na batida do cavaco”
Provavelmente você leu cantando, não foi?
—
Imagem do post: Boderlands 2
“NUNCA MAIS”: O MEDO HEDONISTA DA REALIDADE
Edgar Allan Poe (1), um dos maiores poetas e autores que o mundo já possuiu, teve uma vida difícil, cheia de tristeza, penúria e, ao final dela, loucura; mas em meio a uma vida conturbada, há um artista inominável em suas magnitudes. Poe não se enquadra em algum espectro político que se possa usar como baliza nos tempos atuais, pois suas obras transcendem questões partidárias e ideológicas. O trabalho de Poe é por si mesmo, isto é, foi feito para ser belo, para funcionar como poesia, conto, algo belo de se ler, de se recitar e profundo, para se pensar.
Bem como toda obra que se enquadre na descrição acima – A Ilíada, a Eneida, A Divina Comédia, Antígonae Os Lusíadas seriam exemplos de literaturas com a mesma “pureza” –, os escritos de Poe abluem o cosmos humano em suas estéticas, métricas e situações imersivas nos enredos de seus contos; também como toda a literatura que vise transcender a Beleza, a de Poe traz mensagens e situações que clamam por um olhar mais atento, uma sensibilidade mais profunda para serem devidamente captadas.
O terror é o gênero mais conhecido pelos amantes do trabalho de Poe que, mesmo não sendo um autor exclusivo do estilo (2), faz transbordarem em seus mais atenciosos leitores as sensações de insanidade, medo, ira e declínio na situação dos protagonistas e dos outros personagens que compõem as tramas – nesse sentido, Poe serve de inspiração perpétua para escritores que se aventuram no tema do terror, quando não do horror, até os dias atuais; mas clássicos já consagrados beberam de Edgar Alan Poe, como os gigantes Howard P. Lovecraft, com seus contos inomináveis e Robert W. Chambers, no seu magnífico compilado de histórias, o Rei de Amarelo.
Suas histórias policiais também são envolventes, intrigantes e extremamente bem montadas. Sua obra sobre os Assassinatos na Rua Morge (e suas continuações) não só fazem altura às mais elaboradas tramas de Sir Arthur Conan Doyle, como também as precederam, sendo (para alguns estudiosos do tema) os primeiros romances policiais já feitos(3). O gênio, a criatividade e a maestria das suas obras são inquestionáveis. Poe é um marco, não na literatura estadunidense, tampouco na anglo-saxônica, mas na Universal (4), chegando a ápices extraordinários no percurso de todo seu trabalho – as influências de Poe nos Estados Unidos demoraram mais de meio século para serem sentidas, de modo geral. Na França o autor foi mais conhecido, mais influente e abrangente. Ninguém mais que o grande músico e compositor Claude Debussy (1862—1918) dedicou mais de uma de suas obras aos contos de Edgar Allan Poe.
No Brasil, o autor teve como admirador ninguém menos que Machado de Assis, este que, como um entusiasta e apreciador dos maiores nomes da literatura de sua época (5), ficava atento aos primores do estrangeiro. Uma das maiores contribuições de Machado de Assis para a divulgação do trabalho de Poe em terras brasileiras foi a impecável tradução do que é um dos maiores feitos de Edgar Allan Poe, o seu monumental poema narrativo The Raven, O Corvo. Outras traduções para o poema em questão já foram feitas, em variadas épocas, mas a versão machadiana, digamos, é inigualável. Ela preservou a musicalidade natural do texto em uma belíssima adaptação para o português, e é com tal tradução que tratarei a respeito da condição humana estampada, no mais pleno e inexorável terror, no drama do protagonista, que tem toda sua vida e amores ceifados pela lâmina de Cronos, pelo tempo intransponível que delimita vida e morte na existência humana.
A musicalidade do escrito (6), tão individual e autossuficiente, não demanda nenhum esforço sequer para ser visualizada, pois a “música” aparece por si só no simples ato de ler; as palavras, rimas e intensidades do texto mostram-se sem demora: os primeiros versos desnudam a estética do restante da composição:
“Em certo dia, à hora, à hora
Da meia-noite que apavora,
Eu, caindo de sono e exausto de fadiga,
Ao pé de muita lauda antiga,
De uma velha doutrina, agora morta,
Ia pensando, quando ouvi à porta
No início do poema, o personagem principal, a quem os sofrimentos hão de se frontear, acaba por ser acordado pelo que acredita ser uma batida na porta de sua casa, mas logo sua mente cai em devaneios, em lembranças de um passado vívido e feliz, ao lado de um antigo e falecido amor: Lenora. Levantando-se e deixando seus pensamentos para trás, o homem concentra-se em identificar o visitante tardio, que bate em sua porta em plena madrugada; ao abrir sua porta, nada encontra (e as divagações da antiga paixão retornam), porém, eis que um farfalhar incomoda sua janela. No entanto, crendo que nada é, decide abri-la para averiguar a questão… Um corvo, negro, feio e de postura nobre – como a de um fidalgo – adentra em sua residência… Para pousar no busto de Palas Atena.
Do alo da imagem da deusa da sabedoria, o corvo o observa, imperioso e severo. Nosso protagonista, entretanto, sempre domado por suas lembranças de um tempo morto, não se acanha em indagar o nome da ave visitante, e eis que o corvo diz “Nunca mais”.
O interessante é que o personagem principal, em sua solitude, não perde tempo em devanear para mais lembranças de um passado distante:
“No entanto, o corvo solitário
Não teve outro vocabulário,
Como se essa palavra escassa que ali disse
Toda a sua alma resumisse.
Nenhuma outra proferiu, nenhuma,
Não chegou a mexer uma só pluma,
Até que eu murmurei:
‘Perdi outrora
Tantos amigos tão leais!
Perderei também este em regressando a aurora.’
E o corvo disse: ‘Nunca mais!’”.
“Estremeço.
A resposta ouvida
É tão exata! é tão cabida!
‘Certamente, digo eu, essa é toda a ciência
Que ele trouxe da convivência
De algum mestre infeliz e acabrunhado
Que o implacável destino há castigado
Tão tenaz, tão sem pausa, nem fadiga,
Que dos seus cantos usuais
Só lhe ficou, na amarga e última cantiga,
Esse estribilho: ‘Nunca mais’”.
O pássaro é a mensagem da morte, do fim. O tempo, inexorável e impiedoso, veio prestar suas contas. Não importam os louros e gozos de antes, do amor, da amizade, empatia, gosto e afeição: tudo está com os dias contados desde o momento em que veio a existir. Uma afinidade com alguém em especial, um romance honesto… tudo tem um fim iminente, pois as bonanças irão passar como a água passa em um rio.
A finitude da vida, do prazer e das alegrias é o verdadeiro terror do poema. Isso é Universal, pois o temporal desfaz o mundo. A mutabilidade da História desfigura e mata tudo o que se construiu da vida. Eis o destino de todas as boas relações familiares e sociais, não só do nosso protagonista, mas de todos nós: nunca mais!
Para o sujeito que fala com o corvo, que medita para entender o que o pássaro quer realmente dizer, a realidade cai sobre ele como um raio, e o trovão que ele causa não pode ser impedido; nunca mais haverá a Lenora, nunca mais viverá como os tempos de outrora, e o corvo, mensageiro do tempo, do fim, é impassível.
Empoleirado no busto de Palas, símbolo-mor de como lidar e se chegar à realidade, a ave impiedosa e verdadeira traz consigo a mensagem de Cronos e sua foice. O homem começa a sentir o cheiro de incenso, a presença de seres angelicais se atesta em suas percepções. Ele está morrendo, indo com toda sua construção de vida, com o terror do Final, ou, já está morto, sendo um espírito que reluta a deixar seu mundo já passado.
O desespero, a ira e a negação se abatem no homem. Não aceitará os repetidos “nunca mais” que escuta. Cada resposta do corvo o dilacera, confirma seus medos, sua realidade nua e crua.
“‘Ave ou demônio que negrejas!
Profeta, ou o que quer que sejas!
Cessa, ai, cessa! clamei, levantando-me, cessa!
Regressa ao temporal, regressa
À tua noite, deixa-me comigo.
Vai-te, não fique no meu casto abrigo
Pluma que lembre essa mentira tua.
Tira-me ao peito essas fatais
Garras que abrindo vão a minha dor já crua.’
E o corvo disse: ‘Nunca mais’”.
A resposta final da ave continua sendo implacável, inabalável. O corvo é a confirmação da Sabedoria, da Verdade. A Verdade, por muitas vezes, é terrível e não dá vez àqueles que a ignoram ou a afrontam. O protagonista do conto vivia de algo já há muito apodrecido. Fixava-se nos prazeres da vida, mas não de forma hedonista. Poe usa da melancolia da existência humana para verter lágrimas, mas ainda assim visando a Beleza; porém, o terror de tal caso é total e transcende características particulares dos indivíduos. Todos os homens sofrem com a morte do mundo que conheciam, no passar dos anos (7).
Mas como trata-se de uma literatura Universal, para além de caprichos particulares de seu período histórico,O Corvo possui a mesma característica da Odisseia: pode-se aprender com ela, com a beleza da trama em qualquer período ou cultura, desde que haja o devido entendimento da obra.
A foice de Cronos – como Gustav Doré ilustrou impecavelmente em suas artes que representam o poema em questão – e a cabeça de Atenas são inseparáveis e imperam sobre todos nós, mas seus efeitos melancólicos se abatem de maneiras diferentes em cada indivíduo.
Um hedonista, aquele que tem como norte seu próprio ego e não possui parâmetros de vida além de sua própria satisfação, alegria e felicidade, não possui “armas” para se defender da inexorável passagem do tempo assassino. A baliza de certo e errado, dever e direito, se concentra na vontade que alimenta o “eu” do hedonista, mas quando algo dá errado, por conta da vontade de “ser feliz” do sujeito, a falta de norteamentos faz com que o hedonista fique sem base e entre em um outro turbilhão de voluntarismo; nunca focando em si mesmo como autor de suas mazelas, jamais avaliando se seus desejos mais queridos são bons ou maus, pois o centro do indivíduo hedonista é sua própria vontade de estar bem.
Na História, a articulação estrutural do pensamento hedonista surge de um discípulo de Sócrates, Aristipo de Cirene, o fundador da Escola Cirenaica, que tinha como doutrina de vida a concepção de que a Felicidade seria o bem supremo. Mesmo com Aristipo submetendo isso ao uso racional dos prazeres, para não existir uma decadência, a escola termina por cair em um pessimismo exacerbado, pois suas buscas, seus nortes, eram incompletos e ocos.
Não é por acaso que, mais de vinte séculos depois, tal sina ainda se abata por aqueles que consideram a Felicidade o paralelo-mor da vida. Entre Cronos e Atenas a realidade se forja, portanto, é onde todos estão, mas há uma grave diferença entre aquele que aceita o Corvo empoleirado no busto da Sabedoria e aquele que o nega, enfrenta e se perde, pois as maiores guias de sua vida, o prazer, a felicidade e a vontade dançam uma dança macabra na roda da fortuna.
Tudo passa, e é sábio não se prender ao bem-estar, pois ele não é a viga do edifício da vida humana, mesmo que seja uma importante pilastra; o Tempo inexorável irá ceifar, com mais consequências negativas que o normal, todo o bem-estar humano. Se nem para o mais espirituoso dos Homens haverá a misericórdia do tempo, o que se dirá do mais hedonista? Aristipo teve sua Escola filosófica desmanchada de dentro para fora: negaram tudo, até que só restou o cortejo pela morte, devido a negação da possibilidade do prazer em vida. Se o sentido da vida são o prazeres, então ela não vale de nada.
“E o corvo aí fica; ei-lo trepado
No branco mármore lavrado
Da antiga Palas; ei-lo imutável, ferrenho.
Parece, ao ver-lhe o duro cenho,
Um demônio sonhando.
A luz caída
Do lampião sobre a ave aborrecida
No chão espraia a triste sombra; e, fora
Daquelas linhas funerais
Que flutuam no chão, a minha alma que chora
Não sai mais, nunca, nunca mais!”
[1] Poe viveu de 1809 até 1849.
[2] O melhor exemplo para a dinâmica temática nos trabalhos do autor pode ser o do poema “To Helen”, que possui uma beleza ímpar, valendo totalmente a “pena” em ser inteiramente citado:
Helen, thy beauty is to me
Like those Nicéan barks of yore,
That gently, o’er a perfumed sea,
The weary, way-worn wanderer bore
To his own native shore.
On desperate seas long wont to roam,
Thy hyacinth hair, thy classic face,
Thy Naiad airs have brought me home
To the glory that was Greece,
And the grandeur that was Rome.
Lo! in yon brilliant window-niche
How statue-like I see thee stand,
The agate lamp within thy hand!
Ah, Psyche, from the regions which
Are Holy-Land!
[3] A Poe também é creditada a criação da ficção científica.
[4] Universal em seu conteúdo, mas também em sua proposta. Em um ensaio chamado A Filosofia da Composição – feito a respeito do poema O Corvo –, Poe é categórico: “Seria levado longe demais de meu assunto imediato, se fosse demonstrar um ponto sobre o qual tenho repetidamente insistido e que, entre poetas, não tem a menor necessidade de demonstração; refiro-me ao ponto de que a Beleza é a única província legítima do poema. Poucas palavras, contudo, para elucidar meu verdadeiro pensamento, que alguns de meus amigos tiveram inclinação para interpretar mal. O prazer que seja ao mesmo tempo o mais intenso, o mais enlevante e o mais puro é, creio eu, encontrado na contemplação do belo”. Há raízes de Platão aqui, e também do pensamento aristotélico; o belo transcendente, contemplativo e que basta por si próprio.
[5] Como o francês Victor Hugo, que teve a tradução de seu grande livro Os Trabalhadores do Mar, publicada no jornal Diário do Rio de Janeiro, no mesmo ano da publicação francesa, original, da obra, em 1866. Machado se mantinha amplamente sintonizado com a alta literatura estrangeira.
[6] A versão original possui uma musicalidade diferente, voltada para um sentimento de depressão, dado o ritmo que as rimas produzem (na opinião de quem vos escreve):
“Once upon a midnight dreary, while I pondered, weak and weary,
Over many a quaint and curious volume of forgotten lore—
While I nodded, nearly napping, suddenly there came a tapping,
As of some one gently rapping, rapping at my chamber door.
‘’Tis some visitor,’ I muttered, ‘tapping at my chamber door—
Only this and nothing more’”.
[7] No ensaio já citado, Poe, ao descrever como estruturou as situações do poema, assim afirma: “É meu desígnio tornar manifesto que nenhum ponto de sua composição se refere ao acaso, ou à intuição, que o trabalho caminhou, passo a passo, até completar-se, com a precisão e a seqüência rígida de um problema matemático”. A precisão em questão era necessária para transmitir o tema e os sentimentos mórbidos que banham a composição e que iriam até a alma do leitor.
Mantendo a fé
Eu não acredito que o Inferno seja um lugar cheio de fumaça, cheiro de enxofre e fãs de Sense8 fazendo suruba para protestar contra o fim da série.
O Inferno é algo cotidiano.
Para minha breve estréia neste espaço, quero abordar um pouco a fé.
Não exatamente a fé religiosa ou filosófica, mas a fé dos fãs da DC/Warner que não desistiram de acreditar num Universo interligado de filmes.
É a mesma fé que me fez ir ao cinema 3x assistir filmes do Wolverine para finalmente ter uma experiência agradável. Ver aquele homão da porra e aquela menininha da porra cortando cabeças foi uma baita recompensa.
Mulher Maravilha vem logo depois da treta complicada que é Esquadrão Suicida. Um filme que não foi sucesso de críticas, os fãs reclamam, mas já tem continuação marcada, vai gerar outros títulos paralelos e ganhou um Oscar. E que, assim como Mulher Maravilha, teve ótimos trailers…
E aqui fica a minha crítica ao marketing do cinema que satura os fãs com posters, trailers, teasers, fotos “vazadas” do set de filmagens, etc.
O quanto se gasta para vender o filme é um valor quase assustador, mas até compreensível quando se compara ao total gasto e qual o objetivo ou retorno necessário.
No final do dia, temos que ter fé que os filmes se paguem e alguém continue lucrando com isso, porque só assim para termos mais entretenimento. Não necessariamente material de qualidade, mas isso já é outra conversa.
Mantenha a sua fé. Ou não.
Arte usada na postagem: Wonder Woman No. 604 by AlexGarner
ENTENDENDO A CENSURA EM 451 FAHRENHEITS — PARTE II
Guy Montag é atormentado por avaliações simples sobre o gosto da vida, sobre o prazer de conversar e ter uma amiga. Clarisse McClellan é quem tira o personagem desse mundo da felicidade, do prazer. As conversas de Clarisse não são apenas sobre modos de “ser feliz” em casa, vendo programas nas paredes, ou nas pílulas que todos tomam para ajudar a dormir, se acalmar, ficar bem. O mecanicismo biológico dessa felicidade não existe para Clarisse e sua família.
“Coisas pequenas”, como apreciar a chuva, uma boa conversa, falar sobre a vida, questionar certas coisas, fazer perguntas sobre coisas inúteis… Isso, com o passar dos meses, anima Montag. De fato, o personagem se vê mudado, transfigurado em sua alma por uma simples garota de 17 anos. Montag, enfim, tem uma amiga.
Uma amiga poderosa – com o poder da simplicidade. “Você é feliz”? É a primeira pergunta que atormenta Montag. A reação de Montag, claro, é a autopromoção, a tentativa de evidenciar sua felicidade: tem um emprego agradável, que não exige muito (chamados para queimar livros são raros, uma vez que poucas pessoas os possuem no tempo de Montag), uma família de apenas duas pessoas, cuja mulher não é uma diaba… então ele chega em casa, com a esposa quase morta por intoxicação. As pílulas que a ajudaram a encontrar a felicidade, aliviar as mazelas da vida… quase levaram-na à morte.
Montag fica desesperado, liga para o hospital e este manda técnicos que utilizam uma máquina para sugar o veneno do estômago de sua esposa. A atitude dos técnicos é de profunda apatia e normalidade: o que desconcerta, mais ainda, a mente do protagonista.
O mundo, agora, tem algo faltando, uma fratura exposta em seu próprio modo de ser, como se algo estivesse, e desde sempre, errado e só agora isso se abatesse em seu ser. Uma soma de fatores o leva a perceber essa carência, esse erro.
O cume de seu desalinhamento com o mundo foi em uma chamada. Uma rara chamada o leva para uma casa, onde a idosa que terá sua biblioteca queimada prefere, sem mostrar nenhum remorso, ser queimada viva com os livros. Montag fica horrorizado, chocado com tudo ao seu redor: a apatia de sua esposa, de seus colegas, de seu chefe, da velha que morre queimada… ele percebe que vive em um mundo onde as coisas simples, o conhecimento, foram obliterados da sociedade.
Os livros eram a chave. A desventura do protagonista, no decorrer do livro, se dá por um motivo: a busca pela felicidade, o direito da felicidade, que solaparia tudo o que representasse a menor contravenção a essa felicidade, a esse direito máximo e indiscutível. Quem seria louco de discutir coisas sem utilidade e criar mundos inexistentes, capazes de infringir esse direito tão quisto? Apropriados para criar tensões na sociedade, questionar certas condutas que, por fim, poriam em cheque o modo de vida, a cosmovisão e as noções de certo e errado, esbarrando em grupos minoritários, barrando o direito de felicidade de tais grupos? A sociedade se livrou dos livros, do conhecimento, do saber. Tudo em nome de seu bem-estar, do direito de não ser perturbado ou de se sentir mal por uma contravenção poderosa.
Esses direitos de minorias, como explicado na primeira parte, se estenderam para todos. O que ocorreu na sociedade de Montag foi uma guerra aos porquês e uma elevação dos comos: não se importavam mais com as verdades últimas, os segredos e mistérios do mundo, da sociedade; aboliu-se o que Aristóteles – em sua monumental Metafísica – postulou como busca pelo saber, pelos princípios.
A busca pelos princípios, por definição, é uma busca inútil, trabalhosa, sujeita a contravenções e a causar discórdia. Pode-se abalar estruturas buscando a realidade: e a realidade mais machuca do que afaga. Não se pode fugir dela, não sem consequências, sem se transformar, enfim, em uma deformidade que vai contra o que a busca cega pela felicidade causa; no mundo de Montag, os indivíduos se veem como deuses, onde qualquer aflição deve ser apagada, pois, afinal, a felicidade é o que importa, a única coisa que realmente influi em toda a constituição humana. E o que ocorre quando se joga a Verdade e sua luz potente no rosto de um homem que se acha Deus? Ele sente raiva, ele sente tristeza e, querendo ou não, exterioriza isso. A felicidade, enfim, se torna tirânica.
A tirania da felicidade, em um primeiro momento, é interna. Não se exterioriza esse sofrimento, a angústia, o vazio amargo de viver só pelos prazeres. Antes de tudo, o indivíduo se machuca em nome de sua própria vontade, de seu direito de fazer o que quer e, com isso, ser feliz. Mas ao serem peitados, ao, finalmente, verem a mínima fresta de luz, explodem em uma onda de acusações: pois tiveram seus direitos negados, pois, finalmente, foram apresentados à mais nua, cruel e necessária realidade de suas vidas.
– “Palavras tolas, palavras tolas, terríveis palavras tolas e danosas – disse a sra. A Bowles. – Por que as pessoas querem magoar as outras? Já não basta o sofrimento existente e o senhor vem provocar as pessoas com coisas como essa!
– Clara, Vamos, Clara – implorou Miltred, puxando-lhe o braço. – Venha, vamos nos alegrar, você agora liga a ‘família’. Vá em frente. Agora vamos rir e nos divertir, pare de chorar, vamos fazer uma festa!
– Não – disse a sra. Bowles. – Vou direto para casa. Se você quiser visitar minha casa e minha família, tudo bem. Mas nunca mais na vida entrarei na casa maluca deste bombeiro!
– Vá para casa. – Montag fixou os olhos nela, calmo. – Vá para casa e pense no seu primeiro marido, de quem se divorciou, e no seu segundo marido, prestes a estourar os miolos. Vá para casa e pense nos dez abortos que você fez, vá pra casa e pense nisso e, também, nas suas malditas cesarianas e nos filhos que sentem ódio mortal de você! Vá para casa e pense como tudo isso aconteceu e no que você fez para pôr um fim nisso. Vá para casa, vá para casa! – gritou ele – Antes que eu lhe bata e a expulse daqui a pontapés!”.
Não é Montag o vilão, o malvado, aqui. É a senhora Bowles, esta que matou dez filhos em seu ventre, que deixa os filhos com o Estado, ignorando-os, esta que não dá a mínima para seu segundo marido que está prestes a se suicidar… em nome da felicidade, ela não quer enfrentar a realidade, mesmo padecendo dela. Montag apenas lançou uma breve luz, e a pobre mulher se destruiu com esta luz. Ela não pode admitir que está errada… caso contrário… seus direitos serão problematizados.
A mesma luz impacta o próprio protagonista. Ele já não consegue ver os absurdos à sua volta, não sem correr o risco de ler livros em público, de ler poesia (o que causou o choro de Clara e o descontentamento da sra. Bowles) para estranhos, de ser grosso com as amigas de sua esposa… a Verdade dói, a Verdade provoca explosões, mas a Verdade é necessária.
A grande lição de Fahrenheit 451 é que não importa qual direito seja, não importa sua felicidade, ou a felicidade de outrem: a Verdade, a busca pelo verdadeiro, a consciência do real, está acima de todos os outros direitos. A apatia causada pelo fetiche para com a felicidade é apenas um sintoma do absolutismo de um absurdo, de um pensamento que faz tudo orbitar ao redor de uma única coisa simples, volátil e subjetiva.
É esse fetiche que move a sociedade para o boicote e a censura é o que coloca o consumidor, o crítico, a querer meter as mãos na obra do autor. Bradbury assim comenta, em uma nota no final do livro, que uma crítica feminista não achou bom o fato de faltarem mulheres fortes (malgrado Clarisse esteja presente na obra), um negro reclamando da falta de personagens afrodescendentes e, por fim, universidades (!) tentando “adaptar a obra para um olhar mais contemporâneo…”.
Ray Bradbury não tem palavras doces: classifica tudo isso como a mais clara e potente censura. Quando organizações militantes e minorias (justamente, em sua distopia, aquelas que iniciaram todo o problema) pretendem moldar a obra de outro conforme seus fetiches, suas vontades, tendo como justificativa a clara ambição de querer se ver bem representados; de colocarem seus ímpetos militantes, seus direitos de se sentirem bem nas representações… quando querem fazer um autor parar de escrever o que escreve para agradar o grupo A, B e C… quando põem travas no que alguém pode, ou não, escrever.
Não tem negros no livro? RACISTA! Não tem negros “fortes”? Igualmente racista! Não tem mulheres, ou mulheres fortes? MACHISTA!
Essas críticas medonhas e descabidas não pretendem outra coisa que decidir o que você, como autor, deve ou não por em sua obra. Por isso é comum ver (a MARVEL COMICS pode ser uma das principais provas disso, atualmente) transformarem personagens de forma drástica e sem sentido, tudo em nome da representatividade de grupos insatisfeitos.
Manipular o que um escritor pode, ou não escrever, tem nome: censura.
Os movimentos que militam por representatividade são, nada mais, nada menos, que censores. Censores potencialmente mais perigosos do que aqueles que representam e atuam em prol de ditaduras…. censores modernos, “do bem”, em nome da felicidade… censores da democracia.
O Reino do Amanhã, os Homens do Presente