DC 001 - 34 DCpções no Cinema

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DC 002 - Os Ultimos Jedis Comunistas

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DC 003 - Awesome Mix vol. 34

Nesse podcast falamos sobre o filme Guardiões da Galáxia vol. 2. Ponha os volumes no máximo e venha saber de (quase) todas as referências do filme. Youndu mereçe o perdão? Raio Bill Beta aparece no filme? E quem diabos é o Vigia? Esse episódio contém spoilers do filme. Então se você ainda não viu ouça por sua conta e risco.

DC 004 - 34 Reasons Why

Nesse podcast entenda porquê a Hannah não tem amiga puta e o porquê não se suicidar (mas principalmente a não espalhar fitinhas para fazer seus outros amiguinhos se matarem), a não ser romântico, a não ser escroto e, principalmente, a mandar o decoro para a casa do c*ralho. Venha escutar a nossa tentativa de discutir sobre esse polêmico assunto da maneira menos ilícita possível.

5 razões para comprar Superman: Entre a Foice e o Martelo

Essa semana a Panini anunciou a reimpressão de alguns títulos da DC (aqui os títulos da Marvel) atendendo, segundo a própria editora, diversos pedidos dos fãs. Dentre as revistas, mesmo sem precisar de publicidade...

19 de julho de 2017

5 razões para comprar Superman: Entre a Foice e o Martelo


Essa semana a Panini anunciou a reimpressão de alguns títulos da DC (aqui os títulos da Marvel) atendendo, segundo a própria editora, diversos pedidos dos fãs. Dentre as revistas, mesmo sem precisar de publicidade, escolhemos fazer uma pequena defesa em 5 breves tópicos do título número #1 da lista: Superman: Entre a Foice e o Martelo (Superman: Red Son, no original).

A sinopse oficial é bem resumida e diz tudo o que você precisa saber (ou não): O que aconteceria se o foguete que trouxe Kal-El de Krypton caísse na União Soviética, nos anos da Guerra Fria?

Fiquem agora com 5 razões para comprar esta obra prima:

1. O medo do Comunismo

É interessante ver como a propaganda anticomunismo é vendida de forma clara para a maior parte da população. O começo da história é focada na propaganda contra o alienígena que os soviéticos estão treinando para dominar o mundo. A ameaça vermelha que paira terrível nos céus. Um vigia sádico.

E isso é só o começo da HQ.

2. Batman terrorista

Num regime onde todos os homens são tidos como iguais, ter um alien super poderoso como líder é incoerente e o Batman é a figura que surge para sabotar esse governo tirano.

Mesmo que as intenções confirmadamente boas, não é possível aceitar tal superioridade.

A origem do Homem Morcego é também adaptada para algo que combina especialmente com a realidade de regimes totalitários.

3. Hal Jordan é foda!

Diversos personagens são apresentados em suas versões alternativas, como o piloto de caça, Hal Jordan, que caiu no Vietnã e foi prisioneiro de um campo de concentração por anos, sobrevivendo apenas da sua força de vontade, imaginação e sadismo patriótico.

4. Lex Luthor, herói americano

Luthor é um super gênio, capaz de criar invenções incríveis em questão de horas ou minutos. Ele nutre certo ressentimento pelo fato do Superman ser soviético, pois, na sua cabeça, eles seriam melhores amigos num universo onde ambos fossem compatriotas.

Destaque para a disputa de intelectos entre Lex e Brainiac. Chega a ser assustador.

5. Proteção e isolamento são coisas diferentes

Em determinado momento, Brainiac encolhe uma cidade e isso se torna um problema pelo resto da vida do Super, por não conseguir desfazer o destino daquelas pessoas que ele jurou proteger. Isso demonstra como a única real obsessão do nosso protagonista é o bem estar, mesmo que ele não tenha certeza do que isso possa significar para os outros.

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É isso, ficamos por aqui. Não se esqueça de comentar se você tiver outra razão para comprar essa HQ foda! E postem fotos com #34Comics ou #34Damage para que possamos acompanhar quem nos deu ouvidos.

Sobre seguir em frente




Eu não acredito que o Inferno seja um lugar cheio de fumaça, cheiro de enxofre e repleto de pessoas que eu não gostava em vida.

O Inferno é algo cotidiano.

Conversando com alguns amigos recentemente, tive sérios problemas para aceitar ou entender todas as mudanças que haviam ocorrido na última década em nossas vidas. O quão distantes ficamos. Quanta coisa acabou passando e, por razões incontroláveis ou imutáveis agora, deixamos de fazer.

Bom, foi uma conversa muito agradável e, mesmo ainda sentindo aquele gosto ruim das coisas que gostaria de alterar no passado, devemos seguir.

Isso me faz lembrar de uma frase clichê da série da Netflix, Luke Cage. Certo personagem repete várias vezes para o protagonista “always foward” ou “sempre em frente”.

Óbvio que no começo é sobre o estado como o Luke terminou a temporada de Jéssica Jones, agindo como se estivesse fugindo e se escondendo. Principalmente porque o personagem descobriu a verdade sobre a morte da sua esposa, mas não há nada que possa fazer para resolver.

Eventualmente Luke encontra o seu papel como herói. Acidentalmente. Meio que forçado pelo seu antagonista pessoal. Novamente a Netflix explora usar passados quebrados, ou simplesmente traumáticos, de personagens para justificar como eles chegaram ali e por qual motivo é plenamente possível simpatizar em alguns momentos com certos comportamentos.

Não quero tornar isso review da série, passemos para a próxima referência.

Quando montei meu PC em 2014, a placa de vídeo que comprei trazia um código de ativação do jogo Borderlands 2. Como sempre joguei jogos de tiro no console (com exceção de CS na Lan House, mas sempre fui bem ruim e não vingou) e achava uma merda conseguir mirar, não dei muita atenção para o título. Eventualmente uma amiga disse que o jogo era muito bom, com uma história insana e um pouquinho de RPG. E eu fui jogar principalmente por esse último.

Acabei me deparando com uma ótima ficção científica, misturando humor, exploração, muitos tiros e insanidade.

durante a história, sem querer lançar spoilers, certo personagem morre e te deixa uma arma de lembrança. Nessa arma, uma inscrição de um ditado hebreu:

“Say not in grief: “He is no more.” but live in thankfulness that he was.”

Em tradução livre ficaria algo como:

“Não diga em pesar: “Ele se foi.” em vez disso viva em gratidão que ele foi/existiu.”

É possível que parte do significado ou da exatidão se perca com a mudança de idiomas, mas a mensagem é clara, não devemos apenas ficar tristes pelas coisas que acabaram, isso pode desmerecer o quão boas elas foram.

Então, dentre várias lições e mensagens presentes em Luke Cage e Borderlands 2, quero ressaltar as que dizem para não nos deixar abater e seguir em frente, em vez de simplesmente nos largarmos inertes em certos momentos

(tô escrevendo isso e pensando em todas as crises que já tive e fiquei deitado sem conseguir me mexer)

.

Ah, antes de encerrar, quero deixar outra frase de motivação:

“Siga em frente, olhe para o lado

Se liga no mestiço na batida do cavaco”

Provavelmente você leu cantando, não foi?



Imagem do post: Boderlands 2

“NUNCA MAIS”: O MEDO HEDONISTA DA REALIDADE


Edgar Allan Poe (1), um dos maiores poetas e autores que o mundo já possuiu, teve uma vida difícil, cheia de tristeza, penúria e, ao final dela, loucura; mas em meio a uma vida conturbada, há um artista inominável em suas magnitudes. Poe não se enquadra em algum espectro político que se possa usar como baliza nos tempos atuais, pois suas obras transcendem questões partidárias e ideológicas. O trabalho de Poe é por si mesmo, isto é, foi feito para ser belo, para funcionar como poesia, conto, algo belo de se ler, de se recitar e profundo, para se pensar.

Bem como toda obra que se enquadre na descrição acima – A Ilíada, a Eneida, A Divina Comédia, Antígonae Os Lusíadas seriam exemplos de literaturas com a mesma “pureza” –, os escritos de Poe abluem o cosmos humano em suas estéticas, métricas e situações imersivas nos enredos de seus contos; também como toda a literatura que vise transcender a Beleza, a de Poe traz mensagens e situações que clamam por um olhar mais atento, uma sensibilidade mais profunda para serem devidamente captadas.

O terror é o gênero mais conhecido pelos amantes do trabalho de Poe que, mesmo não sendo um autor exclusivo do estilo (2), faz transbordarem em seus mais atenciosos leitores as sensações de insanidade, medo, ira e declínio na situação dos protagonistas e dos outros personagens que compõem as tramas – nesse sentido, Poe serve de inspiração perpétua para escritores que se aventuram no tema do terror, quando não do horror, até os dias atuais; mas clássicos já consagrados beberam de Edgar Alan Poe, como os gigantes Howard P. Lovecraft, com seus contos inomináveis e Robert W. Chambers, no seu magnífico compilado de histórias, o Rei de Amarelo.

Suas histórias policiais também são envolventes, intrigantes e extremamente bem montadas. Sua obra sobre os Assassinatos na Rua Morge (e suas continuações) não só fazem altura às mais elaboradas tramas de Sir Arthur Conan Doyle, como também as precederam, sendo (para alguns estudiosos do tema) os primeiros romances policiais já feitos(3). O gênio, a criatividade e a maestria das suas obras são inquestionáveis. Poe é um marco, não na literatura estadunidense, tampouco na anglo-saxônica, mas na Universal (4), chegando a ápices extraordinários no percurso de todo seu trabalho – as influências de Poe nos Estados Unidos demoraram mais de meio século para serem sentidas, de modo geral. Na França o autor foi mais conhecido, mais influente e abrangente. Ninguém mais que o grande músico e compositor Claude Debussy (1862—1918) dedicou mais de uma de suas obras aos contos de Edgar Allan Poe.

No Brasil, o autor teve como admirador ninguém menos que Machado de Assis, este que, como um entusiasta e apreciador dos maiores nomes da literatura de sua época (5), ficava atento aos primores do estrangeiro. Uma das maiores contribuições de Machado de Assis para a divulgação do trabalho de Poe em terras brasileiras foi a impecável tradução do que é um dos maiores feitos de Edgar Allan Poe, o seu monumental poema narrativo The Raven, O Corvo. Outras traduções para o poema em questão já foram feitas, em variadas épocas, mas a versão machadiana, digamos, é inigualável. Ela preservou a musicalidade natural do texto em uma belíssima adaptação para o português, e é com tal tradução que tratarei a respeito da condição humana estampada, no mais pleno e inexorável terror, no drama do protagonista, que tem toda sua vida e amores ceifados pela lâmina de Cronos, pelo tempo intransponível que delimita vida e morte na existência humana.

A musicalidade do escrito (6), tão individual e autossuficiente, não demanda nenhum esforço sequer para ser visualizada, pois a “música” aparece por si só no simples ato de ler; as palavras, rimas e intensidades do texto mostram-se sem demora: os primeiros versos desnudam a estética do restante da composição:

“Em certo dia, à hora, à hora

Da meia-noite que apavora,

Eu, caindo de sono e exausto de fadiga,

Ao pé de muita lauda antiga,

De uma velha doutrina, agora morta,

Ia pensando, quando ouvi à porta

No início do poema, o personagem principal, a quem os sofrimentos hão de se frontear, acaba por ser acordado pelo que acredita ser uma batida na porta de sua casa, mas logo sua mente cai em devaneios, em lembranças de um passado vívido e feliz, ao lado de um antigo e falecido amor: Lenora. Levantando-se e deixando seus pensamentos para trás, o homem concentra-se em identificar o visitante tardio, que bate em sua porta em plena madrugada; ao abrir sua porta, nada encontra (e as divagações da antiga paixão retornam), porém, eis que um farfalhar incomoda sua janela. No entanto, crendo que nada é, decide abri-la para averiguar a questão… Um corvo, negro, feio e de postura nobre – como a de um fidalgo – adentra em sua residência… Para pousar no busto de Palas Atena.

Do alo da imagem da deusa da sabedoria, o corvo o observa, imperioso e severo. Nosso protagonista, entretanto, sempre domado por suas lembranças de um tempo morto, não se acanha em indagar o nome da ave visitante, e eis que o corvo diz “Nunca mais”.

O interessante é que o personagem principal, em sua solitude, não perde tempo em devanear para mais lembranças de um passado distante:

“No entanto, o corvo solitário

Não teve outro vocabulário,

Como se essa palavra escassa que ali disse

Toda a sua alma resumisse.

Nenhuma outra proferiu, nenhuma,

Não chegou a mexer uma só pluma,

Até que eu murmurei:

‘Perdi outrora

Tantos amigos tão leais!

Perderei também este em regressando a aurora.’

E o corvo disse: ‘Nunca mais!’”.

“Estremeço.

A resposta ouvida

É tão exata! é tão cabida!

‘Certamente, digo eu, essa é toda a ciência

Que ele trouxe da convivência

De algum mestre infeliz e acabrunhado

Que o implacável destino há castigado

Tão tenaz, tão sem pausa, nem fadiga,

Que dos seus cantos usuais

Só lhe ficou, na amarga e última cantiga,

Esse estribilho: ‘Nunca mais’”.

O pássaro é a mensagem da morte, do fim. O tempo, inexorável e impiedoso, veio prestar suas contas. Não importam os louros e gozos de antes, do amor, da amizade, empatia, gosto e afeição: tudo está com os dias contados desde o momento em que veio a existir. Uma afinidade com alguém em especial, um romance honesto… tudo tem um fim iminente, pois as bonanças irão passar como a água passa em um rio.

A finitude da vida, do prazer e das alegrias é o verdadeiro terror do poema. Isso é Universal, pois o temporal desfaz o mundo. A mutabilidade da História desfigura e mata tudo o que se construiu da vida. Eis o destino de todas as boas relações familiares e sociais, não só do nosso protagonista, mas de todos nós: nunca mais!

Para o sujeito que fala com o corvo, que medita para entender o que o pássaro quer realmente dizer, a realidade cai sobre ele como um raio, e o trovão que ele causa não pode ser impedido; nunca mais haverá a Lenora, nunca mais viverá como os tempos de outrora, e o corvo, mensageiro do tempo, do fim, é impassível.

Empoleirado no busto de Palas, símbolo-mor de como lidar e se chegar à realidade, a ave impiedosa e verdadeira traz consigo a mensagem de Cronos e sua foice. O homem começa a sentir o cheiro de incenso, a presença de seres angelicais se atesta em suas percepções. Ele está morrendo, indo com toda sua construção de vida, com o terror do Final, ou, já está morto, sendo um espírito que reluta a deixar seu mundo já passado.

O desespero, a ira e a negação se abatem no homem. Não aceitará os repetidos “nunca mais” que escuta. Cada resposta do corvo o dilacera, confirma seus medos, sua realidade nua e crua.

“‘Ave ou demônio que negrejas!

Profeta, ou o que quer que sejas!

Cessa, ai, cessa! clamei, levantando-me, cessa!

Regressa ao temporal, regressa

À tua noite, deixa-me comigo.

Vai-te, não fique no meu casto abrigo

Pluma que lembre essa mentira tua.

Tira-me ao peito essas fatais

Garras que abrindo vão a minha dor já crua.’

E o corvo disse: ‘Nunca mais’”.

A resposta final da ave continua sendo implacável, inabalável. O corvo é a confirmação da Sabedoria, da Verdade. A Verdade, por muitas vezes, é terrível e não dá vez àqueles que a ignoram ou a afrontam. O protagonista do conto vivia de algo já há muito apodrecido. Fixava-se nos prazeres da vida, mas não de forma hedonista. Poe usa da melancolia da existência humana para verter lágrimas, mas ainda assim visando a Beleza; porém, o terror de tal caso é total e transcende características particulares dos indivíduos. Todos os homens sofrem com a morte do mundo que conheciam, no passar dos anos (7).

Mas como trata-se de uma literatura Universal, para além de caprichos particulares de seu período histórico,O Corvo possui a mesma característica da Odisseia: pode-se aprender com ela, com a beleza da trama em qualquer período ou cultura, desde que haja o devido entendimento da obra.

A foice de Cronos – como Gustav Doré ilustrou impecavelmente em suas artes que representam o poema em questão – e a cabeça de Atenas são inseparáveis e imperam sobre todos nós, mas seus efeitos melancólicos se abatem de maneiras diferentes em cada indivíduo.

Um hedonista, aquele que tem como norte seu próprio ego e não possui parâmetros de vida além de sua própria satisfação, alegria e felicidade, não possui “armas” para se defender da inexorável passagem do tempo assassino. A baliza de certo e errado, dever e direito, se concentra na vontade que alimenta o “eu” do hedonista, mas quando algo dá errado, por conta da vontade de “ser feliz” do sujeito, a falta de norteamentos faz com que o hedonista fique sem base e entre em um outro turbilhão de voluntarismo; nunca focando em si mesmo como autor de suas mazelas, jamais avaliando se seus desejos mais queridos são bons ou maus, pois o centro do indivíduo hedonista é sua própria vontade de estar bem.

Na História, a articulação estrutural do pensamento hedonista surge de um discípulo de Sócrates, Aristipo de Cirene, o fundador da Escola Cirenaica, que tinha como doutrina de vida a concepção de que a Felicidade seria o bem supremo. Mesmo com Aristipo submetendo isso ao uso racional dos prazeres, para não existir uma decadência, a escola termina por cair em um pessimismo exacerbado, pois suas buscas, seus nortes, eram incompletos e ocos.

Não é por acaso que, mais de vinte séculos depois, tal sina ainda se abata por aqueles que consideram a Felicidade o paralelo-mor da vida. Entre Cronos e Atenas a realidade se forja, portanto, é onde todos estão, mas há uma grave diferença entre aquele que aceita o Corvo empoleirado no busto da Sabedoria e aquele que o nega, enfrenta e se perde, pois as maiores guias de sua vida, o prazer, a felicidade e a vontade dançam uma dança macabra na roda da fortuna.

Tudo passa, e é sábio não se prender ao bem-estar, pois ele não é a viga do edifício da vida humana, mesmo que seja uma importante pilastra; o Tempo inexorável irá ceifar, com mais consequências negativas que o normal, todo o bem-estar humano. Se nem para o mais espirituoso dos Homens haverá a misericórdia do tempo, o que se dirá do mais hedonista? Aristipo teve sua Escola filosófica desmanchada de dentro para fora: negaram tudo, até que só restou o cortejo pela morte, devido a negação da possibilidade do prazer em vida. Se o sentido da vida são o prazeres, então ela não vale de nada.

“E o corvo aí fica; ei-lo trepado

No branco mármore lavrado

Da antiga Palas; ei-lo imutável, ferrenho.

Parece, ao ver-lhe o duro cenho,

Um demônio sonhando.

A luz caída

Do lampião sobre a ave aborrecida

No chão espraia a triste sombra; e, fora

Daquelas linhas funerais

Que flutuam no chão, a minha alma que chora

Não sai mais, nunca, nunca mais!”

[1] Poe viveu de 1809 até 1849.

[2] O melhor exemplo para a dinâmica temática nos trabalhos do autor pode ser o do poema “To Helen”, que possui uma beleza ímpar, valendo totalmente a “pena” em ser inteiramente citado:

Helen, thy beauty is to me 

   Like those Nicéan barks of yore, 

That gently, o’er a perfumed sea, 

   The weary, way-worn wanderer bore 

   To his own native shore. 

On desperate seas long wont to roam, 

   Thy hyacinth hair, thy classic face, 

Thy Naiad airs have brought me home 

   To the glory that was Greece,       

   And the grandeur that was Rome. 

Lo! in yon brilliant window-niche 

   How statue-like I see thee stand, 

The agate lamp within thy hand! 

   Ah, Psyche, from the regions which 

   Are Holy-Land! 

[3] A Poe também é creditada a criação da ficção científica.

[4] Universal em seu conteúdo, mas também em sua proposta. Em um ensaio chamado A Filosofia da Composição – feito a respeito do poema O Corvo –, Poe é categórico: “Seria levado longe demais de meu assunto imediato, se fosse demonstrar um ponto sobre o qual tenho repetidamente insistido e que, entre poetas, não tem a menor necessidade de demonstração; refiro-me ao ponto de que a Beleza é a única província legítima do poema. Poucas palavras, contudo, para elucidar meu verdadeiro pensamento, que alguns de meus amigos tiveram inclinação para interpretar mal. O prazer que seja ao mesmo tempo o mais intenso, o mais enlevante e o mais puro é, creio eu, encontrado na contemplação do belo”. Há raízes de Platão aqui, e também do pensamento aristotélico; o belo transcendente, contemplativo e que basta por si próprio.

[5] Como o francês Victor Hugo, que teve a tradução de seu grande livro Os Trabalhadores do Mar, publicada no jornal Diário do Rio de Janeiro, no mesmo ano da publicação francesa, original, da obra, em 1866. Machado se mantinha amplamente sintonizado com a alta literatura estrangeira.

[6] A versão original possui uma musicalidade diferente, voltada para um sentimento de depressão, dado o ritmo que as rimas produzem (na opinião de quem vos escreve):

“Once upon a midnight dreary, while I pondered, weak and weary, 

Over many a quaint and curious volume of forgotten lore— 

    While I nodded, nearly napping, suddenly there came a tapping, 

As of some one gently rapping, rapping at my chamber door. 

‘’Tis some visitor,’ I muttered, ‘tapping at my chamber door— 

            Only this and nothing more’”.

[7] No ensaio já citado, Poe, ao descrever como estruturou as situações do poema, assim afirma: “É meu desígnio tornar manifesto que nenhum ponto de sua composição se refere ao acaso, ou à intuição, que o trabalho caminhou, passo a passo, até completar-se, com a precisão e a seqüência rígida de um problema matemático”. A precisão em questão era necessária para transmitir o tema e os sentimentos mórbidos que banham a composição e que iriam até a alma do leitor.

Mantendo a fé




Eu não acredito que o Inferno seja um lugar cheio de fumaça, cheiro de enxofre e fãs de Sense8 fazendo suruba para protestar contra o fim da série.


O Inferno é algo cotidiano.


Para minha breve estréia neste espaço, quero abordar um pouco a fé.


Não exatamente a fé religiosa ou filosófica, mas a fé dos fãs da DC/Warner que não desistiram de acreditar num Universo interligado de filmes.


É a mesma fé que me fez ir ao cinema 3x assistir filmes do Wolverine para finalmente ter uma experiência agradável. Ver aquele homão da porra e aquela menininha da porra cortando cabeças foi uma baita recompensa.


Mulher Maravilha vem logo depois da treta complicada que é Esquadrão Suicida. Um filme que não foi sucesso de críticas, os fãs reclamam, mas já tem continuação marcada, vai gerar outros títulos paralelos e ganhou um Oscar. E que, assim como Mulher Maravilha, teve ótimos trailers…


E aqui fica a minha crítica ao marketing do cinema que satura os fãs com posters, trailers, teasers, fotos “vazadas” do set de filmagens, etc.


O quanto se gasta para vender o filme é um valor quase assustador, mas até compreensível quando se compara ao total gasto e qual o objetivo ou retorno necessário.


No final do dia, temos que ter fé que os filmes se paguem e alguém continue lucrando com isso, porque só assim para termos mais entretenimento. Não necessariamente material de qualidade, mas isso já é outra conversa.


Mantenha a sua fé. Ou não.


Arte usada na postagem: Wonder Woman No. 604 by AlexGarner

ENTENDENDO A CENSURA EM 451 FAHRENHEITS — PARTE II




Guy Montag é atormentado por avaliações simples sobre o gosto da vida, sobre o prazer de conversar e ter uma amiga. Clarisse McClellan é quem tira o personagem desse mundo da felicidade, do prazer. As conversas de Clarisse não são apenas sobre modos de “ser feliz” em casa, vendo programas nas paredes, ou nas pílulas que todos tomam para ajudar a dormir, se acalmar, ficar bem. O mecanicismo biológico dessa felicidade não existe para Clarisse e sua família.


“Coisas pequenas”, como apreciar a chuva, uma boa conversa, falar sobre a vida, questionar certas coisas, fazer perguntas sobre coisas inúteis… Isso, com o passar dos meses, anima Montag. De fato, o personagem se vê mudado, transfigurado em sua alma por uma simples garota de 17 anos. Montag, enfim, tem uma amiga.


Uma amiga poderosa – com o poder da simplicidade. “Você é feliz”? É a primeira pergunta que atormenta Montag. A reação de Montag, claro, é a autopromoção, a tentativa de evidenciar sua felicidade: tem um emprego agradável, que não exige muito (chamados para queimar livros são raros, uma vez que poucas pessoas os possuem no tempo de Montag), uma família de apenas duas pessoas, cuja mulher não é uma diaba… então ele chega em casa, com a esposa quase morta por intoxicação. As pílulas que a ajudaram a encontrar a felicidade, aliviar as mazelas da vida… quase levaram-na à morte.


Montag fica desesperado, liga para o hospital e este manda técnicos que utilizam uma máquina para sugar o veneno do estômago de sua esposa. A atitude dos técnicos é de profunda apatia e normalidade: o que desconcerta, mais ainda, a mente do protagonista.


O mundo, agora, tem algo faltando, uma fratura exposta em seu próprio modo de ser, como se algo estivesse, e desde sempre, errado e só agora isso se abatesse em seu ser. Uma soma de fatores o leva a perceber essa carência, esse erro.


O cume de seu desalinhamento com o mundo foi em uma chamada. Uma rara chamada o leva para uma casa, onde a idosa que terá sua biblioteca queimada prefere, sem mostrar nenhum remorso, ser queimada viva com os livros. Montag fica horrorizado, chocado com tudo ao seu redor: a apatia de sua esposa, de seus colegas, de seu chefe, da velha que morre queimada… ele percebe que vive em um mundo onde as coisas simples, o conhecimento, foram obliterados da sociedade.


Os livros eram a chave. A desventura do protagonista, no decorrer do livro, se dá por um motivo: a busca pela felicidade, o direito da felicidade, que solaparia tudo o que representasse a menor contravenção a essa felicidade, a esse direito máximo e indiscutível. Quem seria louco de discutir coisas sem utilidade e criar mundos inexistentes, capazes de infringir esse direito tão quisto? Apropriados para criar tensões na sociedade, questionar certas condutas que, por fim, poriam em cheque o modo de vida, a cosmovisão e as noções de certo e errado, esbarrando em grupos minoritários, barrando o direito de felicidade de tais grupos? A sociedade se livrou dos livros, do conhecimento, do saber. Tudo em nome de seu bem-estar, do direito de não ser perturbado ou de se sentir mal por uma contravenção poderosa.


Esses direitos de minorias, como explicado na primeira parte, se estenderam para todos. O que ocorreu na sociedade de Montag foi uma guerra aos porquês e uma elevação dos comos: não se importavam mais com as verdades últimas, os segredos e mistérios do mundo, da sociedade; aboliu-se o que Aristóteles – em sua monumental Metafísica – postulou como busca pelo saber, pelos princípios.


A busca pelos princípios, por definição, é uma busca inútil, trabalhosa, sujeita a contravenções e a causar discórdia. Pode-se abalar estruturas buscando a realidade: e a realidade mais machuca do que afaga. Não se pode fugir dela, não sem consequências, sem se transformar, enfim, em uma deformidade que vai contra o que a busca cega pela felicidade causa; no mundo de Montag, os indivíduos se veem como deuses, onde qualquer aflição deve ser apagada, pois, afinal, a felicidade é o que importa, a única coisa que realmente influi em toda a constituição humana. E o que ocorre quando se joga a Verdade e sua luz potente no rosto de um homem que se acha Deus? Ele sente raiva, ele sente tristeza e, querendo ou não, exterioriza isso. A felicidade, enfim, se torna tirânica.


A tirania da felicidade, em um primeiro momento, é interna. Não se exterioriza esse sofrimento, a angústia, o vazio amargo de viver só pelos prazeres. Antes de tudo, o indivíduo se machuca em nome de sua própria vontade, de seu direito de fazer o que quer e, com isso, ser feliz. Mas ao serem peitados, ao, finalmente, verem a mínima fresta de luz, explodem em uma onda de acusações: pois tiveram seus direitos negados, pois, finalmente, foram apresentados à mais nua, cruel e necessária realidade de suas vidas.


– “Palavras tolas, palavras tolas, terríveis palavras tolas e danosas – disse a sra. A Bowles. – Por que as pessoas querem magoar as outras? Já não basta o sofrimento existente e o senhor vem provocar as pessoas com coisas como essa!


– Clara, Vamos, Clara – implorou Miltred, puxando-lhe o braço. – Venha, vamos nos alegrar, você agora liga a ‘família’. Vá em frente. Agora vamos rir e nos divertir, pare de chorar, vamos fazer uma festa!


– Não – disse a sra. Bowles. – Vou direto para casa. Se você quiser visitar minha casa e minha família, tudo bem. Mas nunca mais na vida entrarei na casa maluca deste bombeiro!


– Vá para casa. – Montag fixou os olhos nela, calmo. – Vá para casa e pense no seu primeiro marido, de quem se divorciou, e no seu segundo marido, prestes a estourar os miolos. Vá para casa e pense nos dez abortos que você fez, vá pra casa e pense nisso e, também, nas suas malditas cesarianas e nos filhos que sentem ódio mortal de você! Vá para casa e pense como tudo isso aconteceu e no que você fez para pôr um fim nisso. Vá para casa, vá para casa! – gritou ele – Antes que eu lhe bata e a expulse daqui a pontapés!”.


Não é Montag o vilão, o malvado, aqui. É a senhora Bowles, esta que matou dez filhos em seu ventre, que deixa os filhos com o Estado, ignorando-os, esta que não dá a mínima para seu segundo marido que está prestes a se suicidar… em nome da felicidade, ela não quer enfrentar a realidade, mesmo padecendo dela. Montag apenas lançou uma breve luz, e a pobre mulher se destruiu com esta luz. Ela não pode admitir que está errada… caso contrário… seus direitos serão problematizados.


A mesma luz impacta o próprio protagonista. Ele já não consegue ver os absurdos à sua volta, não sem correr o risco de ler livros em público, de ler poesia (o que causou o choro de Clara e o descontentamento da sra. Bowles) para estranhos, de ser grosso com as amigas de sua esposa… a Verdade dói, a Verdade provoca explosões, mas a Verdade é necessária.


A grande lição de Fahrenheit 451 é que não importa qual direito seja, não importa sua felicidade, ou a felicidade de outrem: a Verdade, a busca pelo verdadeiro, a consciência do real, está acima de todos os outros direitos. A apatia causada pelo fetiche para com a felicidade é apenas um sintoma do absolutismo de um absurdo, de um pensamento que faz tudo orbitar ao redor de uma única coisa simples, volátil e subjetiva.


É esse fetiche que move a sociedade para o boicote e a censura é o que coloca o consumidor, o crítico, a querer meter as mãos na obra do autor. Bradbury assim comenta, em uma nota no final do livro, que uma crítica feminista não achou bom o fato de faltarem mulheres fortes (malgrado Clarisse esteja presente na obra), um negro reclamando da falta de personagens afrodescendentes e, por fim, universidades (!) tentando “adaptar a obra para um olhar mais contemporâneo…”.


Ray Bradbury não tem palavras doces: classifica tudo isso como a mais clara e potente censura. Quando organizações militantes e minorias (justamente, em sua distopia, aquelas que iniciaram todo o problema) pretendem moldar a obra de outro conforme seus fetiches, suas vontades, tendo como justificativa a clara ambição de querer se ver bem representados; de colocarem seus ímpetos militantes, seus direitos de se sentirem bem nas representações… quando querem fazer um autor parar de escrever o que escreve para agradar o grupo A, B e C… quando põem travas no que alguém pode, ou não, escrever.


Não tem negros no livro? RACISTA! Não tem negros “fortes”? Igualmente racista! Não tem mulheres, ou mulheres fortes? MACHISTA!

Essas críticas medonhas e descabidas não pretendem outra coisa que decidir o que você, como autor, deve ou não por em sua obra. Por isso é comum ver (a MARVEL COMICS pode ser uma das principais provas disso, atualmente) transformarem personagens de forma drástica e sem sentido, tudo em nome da representatividade de grupos insatisfeitos.


Manipular o que um escritor pode, ou não escrever, tem nome: censura.


Os movimentos que militam por representatividade são, nada mais, nada menos, que censores. Censores potencialmente mais perigosos do que aqueles que representam e atuam em prol de ditaduras…. censores modernos, “do bem”, em nome da felicidade… censores da democracia.

O Reino do Amanhã, os Homens do Presente


As tropas do Superman logo têm o poder para abalar a Terra. Terão poder bastante para salvá-la? E salvá-la… do quê?
Escrita por Mark Waid e ilustrada por Alex RossO Reino do Amanhã é um clássico da DC Comics, e assim estava destinado a ser desde que  essa obra foi devidamente terminada. Ela foi escrita no crepúsculo do século passado, inspirada no trabalho – de mesmo nome – do escritor Eliot S. Maggin, que escreve uma introdução (na edição definitiva) que já explica toda a profundidade e o peso da mensagem da HQ.
Antes de qualquer coisa é necessário enfatizar que O Reino do Amanhã não se trata de uma obra á direita, tampouco á esquerda. Mesmo sendo impossível não fazer paralelos com a História humana – como o fascismo e os governos autoritários que criam e têm heróis como líderes que, na realidade, são ou se tornam tiranos –, não seria válido catalogá-la em termos políticos; a obra é, antes de tudo, de viés moral e procura tratar de algo importantíssimo: a humanidade e o poder.
No multiverso da DC, há heróis: super-seres capazes do impossível, homens que correm mais rápido que a luz, resistem a balas, levantam navios das profundezas dos mares e, ainda, podem voar; vai, até mesmo, além disso: há homens, sem nenhum poder, que podem derrotar os superpoderosos. Ainda assim há vilões, entidades tão poderosas quanto, capazes de feitos grandiosos em crueldade – e assim como no caso dos heróis, existem vilões sem poderes capazes de derrotar os poderosos.
Assim, no universo da HQ em questão, o mundo vive em meio aos vilões e heróis, uns com propósitos filantropos, outros agindo de forma inconsequente, ou, atuando apenas para o bem próprio, não enxergando um bem maior – ou, ao menos, viveu assim em seu passado.
O Reino do Amanhã se passa em um futuro alternativo do conhecido e padrão mundo da DC. Houve uma Liga da Justiça, um Sandman, alguém que usou o capacete do Dr. Destino, o último habitante de Krypton caiu na fazenda de um casal americano no centro dos Estados Unidos, um garoto teve seus pais assassinados em sua frente, na saída de um cinema em Gotham… Mas os anos se passaram e os filhos, descendentes e aprendizes de tais heróis tomaram os postos de seus antigos mentores.
É nesse cenário que vive o pastor Norman Mccay, um homem que tem fé nas Escrituras e utiliza dessa fé para suportar um mundo cada vez mais insensato e caótico, um mundo dos homens do amanhã, dos herdeiros dos antigos heróis. Mccay, como todos à sua volta, vê a selvageria abusiva que os novos heróis causam em seu meio. Por que causam? Pois se consideraram, literalmente, como meta-humanos. O mundo inteiro crê na superioridade dos super-seres, pois apenas passaram a enxergar o físico, o material e evidente, mas se esqueceram de ver pelo interior, o ontológico que nos faz todos iguais.
***
O Mundo que Wesley deixou está cheio, não daqueles seus heróis…, mas de seus filhos e netos. Eles são incontáveis… prole do passado, inspirados pelaslendas dos que vieram antes… mas não pela moral. Eles não lutam mais pelo que é certo. Lutam simplesmente por lutar, tendo uns aos outros como inimigos.
Os super-humanos se gabam de quase terem eliminado os supervilões do passado. Grande Conforto. Eles se movem livremente pelas ruas… pelomundo. São desafiados, mas nunca… São detidos. Afinal, eles são… nossosprotetores”.
***
Como todos veem os super-humanos como super-humanos, os próprios meta-humanos passaram a se encarar como os salvadores do mundo, os campeões da justiça. Colocaram-se acima da humanidade, portanto, deveriam defende-la. Como um mundo, antes repletos de entidades superpoderosas e combatentes da vilania, se transforma em um lugar tão violento, tão cheio de injustiça, onde – como ocorre nas noções de justiça dos sofistas eristas (1) – existem pessoas para além da humanidadeimperando sobre a humanidade, que permitiu que outros enfrentassem o futuro para ela? Pois os antigos heróis, os bastiões da Justiça, se tornaram antiquados para os novos tempos.
O pastor, atormentado como todos, começa a ter visões. Suas visões mostram um amálgama de versículos bíblicos e imagens devastadoras: ele as interpreta como o fim de tudo, perdendo as esperanças, até que um antigo herói – agora uma entidade cósmica muito superior – o Espectro (2), entra em sua igreja e se revela interessado nas visões de Norman.
Espectro permite que o pastor transcenda o tempo e o espaço, mostrando o mundo e sua situação para os olhos humanos do sacerdote. Sua primeira visita é ao Superman, o antigo campeão da Terra, aposentado há uma década e com as costas voltadas para os homens. O Homem de Aço vive em sua Fortaleza da Solidão, fazendo jus ao nome do local, Superman se desligou de todos. Mesmo com seus super-sentidos, não sabe o que ocorre com o mundo…. Até que a amazona vai até ele.
Mulher Maravilha ainda se importa com o “Mundo dos Homens”, como dizem as Amazonas de Temiscira, e pretende levar o filho de Krypton de volta a ele. Os meta-humanos, soltos às suas próprias consciências, conseguiram o impensável: por conta de uma única batalha, mataram um super-humano que, ao morrer, liberou tanta radiação que exterminou todo o estado do Kansas (3), deixando mais de um milhão de mortes pelo caminho. O antigo protetor da Terra decide dar um basta a toda a negligência meta-humana. Superman volta à ativa.
eunindo a maioria dos membros antigos da Liga, o herói consegue reestabelecer a ordem nos Estados Unidos, porém, a problemática é global, e Superman precisa de um verdadeiro exército para reestabelecer a linha dos meta-humanos. Seu plano é drástico, consistindo em uma abordagem forte, rápida, como remédio para os problemas superpoderosos; aqueles que se negarem a juntar-se ás forças do Superman serão, invariavelmente, presos. Para tal, é necessária uma prisão que suporte, combinados, todos os meta-humanos. Superman até que procura um local seguro para que superpoderosos fiquem, mas quando não vê alternativas, se decide: a prisão será nos EUA, e ele não se dá ao trabalho de notificar a nenhuma outra autoridade humana tal feito.
Há, todavia, um revés. Resolver um problema, de uma escala tão grande, plural e complexa, não requer uma solução rápida e grosseira. Superman age sob a égide da força. Os Homens do Amanhã, aqueles que foram escolhidos porque se adequavam mais a um mundo moderno, a uma geração mais nova – por serem, aliás, mais violentos, por agir com uma pretensa superioridade ao preferir a morte de seus inimigos –, com o intuito de segurar o mundo em suas ideias, em seus grupos e facções, acabaram se pluralizando e gerando várias visões de certo e errado, vários valores diferentes nas mãos dos que estão além do homem: tais seres precisavam ser detidos, mas também contidos. No fim, Superman agia como um líder de Estado, usando de sua vontade para arbitrar e decidir o destino dos meta-humanos, e sem consultar a humanidade para tal.
A atitude é clara: para o Homem de Aço, é necessário ter o controle, pela força, pela arbitrariedade, mas ainda assim, destoando dos homens do amanhã, prezando a vida humana, o bem do outro e agindo, nas batalhas, com cautela e responsabilidade. Superman destoaria, por ter essa prudência, da nova geração de protetores? As visões e viagens de Norman Mccay transcendem o subjetivo do kryptoniano.
Para o pastor, o verdadeiro guia de Espectro – mesmo este sendo, de fato aquele que locomove e possibilita que Mccay veja o que se desenrola no mundo –, vê as chagas do mundo como um fantasma. Fatos ocorrendo na ONU, na caverna do Batman, na Torre da Liga, em reuniões feitas por Lex Luthor, etc. Norman enxerga a pluralidade de concepções do certo e do errado, as tentativas de rebeldia, as reações variáveis aos atos da Liga – a Mulher Maravilha crê que está em guerra, age como uma guerreira amazona, influenciando os pensamentos de todos na Torre; Mulher Maravilha, aliás, foi exilada de sua ilha por não ter sido agressiva o suficiente e não ter promovido a paz pela força; Batman é um dos únicos a enxergar o verdadeiro problema do plano de Superman. O Homem-Morcego percebeu que a tentativa de controle e de reforma dos atos e mentes dos meta-humanos mais novos era, na essência, algo totalitário. As Nações Unidas se vê temerosa, receando o poder de escolha da Liga e raivosa das ações, sem nenhum consentimento, conselho ou apoio, de Superman.
Luthor está consciente do problema que é ter patrulhas incontroláveis de super-seres pelo mundo. Seu plano é, em vez de diminuir a tensão, alimentá-la, para que a panela possa explodir e, daí, ele e seus apoiadores construírem um mundo mais ordeiro. Lex quer ver a humanidade detentora, mais uma vez, do poder global, e a qualquer custo. Uma vez que ele pensa que haverá uma guerra para tal, que vai haver sangue nas ruas, se limita a conduzir todo o planeta para esse confronto; ele maquina um plano para limpar o mal do planeta, não se importando se causará mais mazelas ainda com isso. É o típico controlador que, para prevenir um problema, o antecede com a desculpa de que depois não haverá mais problemas.
***
– “…tenho uma preocupação similar. Devo presumir, então, que a FLH atua para elevar a dor em vez de diminuí-la?” – fala o Rei (4).
– “Por assim dizer. Sem dor, não há ganho. Nosso objetivo é aumentar a tensão entre humanos e meta-humanos… levá-la a um ponto em que os humanos não tenham escolha senão retomar as rédeas do poder mundial… aqualquer custo. Haverá guerra… sangue derramado… mas, no final, ahumanidade governará a Terra outra vez” – respondeu Luthor.
– “’humanidade’. Traduzindo… vocês. Quando um vilão não é vilão?” – disse E. Nigma (o Charada).
– “Quando trabalha por um bem maior, Nigma” – falou Luthor.
***
Superman ignora o plano de Luthor, Batman sabe que não conseguirá convencer o kryptoniano a desistir de seu plano, contudo, antevê o trabalho de Luthor e planeja impedi-lo.
A panela de pressão apenas esquenta ainda mais com o Homem de Aço tentando pôr ordem na casa. Suas ações desconsideram as opiniões de quase todos e um dos poucos que vê isso é o impotente pastor Mccay, com seu guiado, Espectro, que permitiu a Mccay ver todos os lados por conta das visões que possui, mas também porque Espectro quer que o pastor julgue se a Terra terá um fim, ou não.
No fim, Batman consegue sanar uma parte do estrago que Luthor faria, porém, a maior arma do vilão se apresenta: o Capitão Marvel. Marvel (5) foi escolhido pelo mago Shazam, que é – assim como o Espectro – umas das entidades-mor da DC, para zelar pela humanidade; o Capitão tem atributos sobre-humanos, como super-força, capacidade de voo e, também, possui magia: uma das poucas fraquezas do Superman. Luthor consegue fazer uma verdadeira lavagem cerebral em Marvel, que consegue escapar da ajuda de Batman.
Após a intervenção do Cavaleiro de Gotham nos planos de Luthor, o inevitável ocorre: uma rebelião na prisão. Aqueles que tentam contê-la são mortos e as paredes que seguravam os meta-humanos são derrubadas. Na Torre da Liga os atritos se tornam cada vez piores; Mulher Maravilha quer resolver através da matança, se necessário, Superman tenta convencê-la do contrário, querendo resolver tudo sem sangue, mas ainda assim com a ânsia de controlar para solucionar.
A guerreira amazona dá o aviso, em frente à prisão, para os meta-humanos revoltosos, mas seu pedido de coesão é ignorado e, ironicamente, o Plano de Luthor começa a ter vida própria e o sangue começa a ser derramado. Superman, banhado em sua própria ira, exige que Batman o ajude, porém, o Homem-morcego alerta sobre Capitão Marvel e Superman, em desespero, vai até o confronto e chega antes de Marvel trazer mais carnificina à batalha.
O final de tal batalha é decidido, não pelos meta-humanos, mas sim pelos homens, pela humanidade que foi negligenciada em todas as questões postas na mesa. A ordem vem da ONU, e três bombardeiros nucleares partem para dar fim à batalha entre as hostes meta-humanas. Antes dos caças chegarem ao local, o pior ocorre: Superman é impedido por Marvel e ambos começam a lutar. O Capitão ainda está sob o efeito da lavagem cerebral de Luthor, possuindo uma expressão risonha e insolente, estando completamente fora de si. A magia usada por Marvel faz Superman ter desvantagem. O Kryptoniano sangra enquanto escuta o som familiar de uma bomba caindo e vê, horrorizado, uma ogiva nuclear caindo em sua direção.
Enquanto lutava contra Marvel, os pedidos de Superman para que ele retomasse o controle eram em vão; Marvel fere Superman, contudo, antes que pudesse atingi-lo com mais um de seus raios mágicos, Superman o agarra e a magia se volta contra o escolhido de Shazam, fazendo-o voltar a ser um humano comum. O capitão é o único que compartilha dos dois mundos: ele é um homem normal, mas também um super-ser.
amanha6
***
– “Preste atenção, Billy. Mais do que jamais prestou antes. Olhe ao redor… a que pontochegamos. Uma bomba está caindo. Ou ela nos mata… ou nós devastaremos o mundo. Sei que ainda posso deter a bomba, Bill. O que não sei é se devo… Essa decisão… não souhumano. Mas você, Billy… você é os dois. Mais do quequalquer um, você sabe o que é viver nos dois mundos. Sóvocê pode pensá-los com a mesma medida. Lute contra alavagem cerebral. Você pode me deixar ir… ou, com uma palavra… pode me deterEntende a escolha que sóvocê pode fazer? Decida. Decida o mundo.
– Shazam”.
***
Marvel levanta voo, puxa o Homem de Aço, vai até a bomba, levanta a ogiva até o mais alto que pode e grita para chamar seu raio o mais rápido que pode e então… A fúria da humanidade explode acima do campo de batalha.
À exceção de Superman e de poucos agraciados pela proteção do anel do Lanterna Verde, todos os beligerantes são massacrados pelo calor radioativo da bomba nuclear, que deixa um mar de ossos, descarnados pelas altas temperaturas, pelo campo de batalha. O problema meta-humano, o perigo de a batalha ir para o resto do mundo e afogá-lo em um mar de destruição, chegou ao fim por mando das Nações Unidas, contudo….
Ainda há um super-ser – ignorante da sobrevivência de seus amigos – tomado pela ira, pelo torpor de vislumbrar seu total e completo fracasso de tentar ajudar, das suas tentativas de melhorar o mundo. Superman está possesso pelos demônios que ele mesmo ajudou a criar e, como todos sob o controle de demônios, ele procura saciar sua mazela descontando em outros.
Ele ruma, como uma bala, para Nova York, para a sede da ONU. Ele planeja descontar a raiva na humanidade que, por medo e, também, por cansaço para com os abusos dos meta-humanos, dizimou quase todos.
Quando chega nas Nações Unidas, o Kryptoniano é frio e implacável: solda as portas de saída e, dentro do salão com todos os representantes mundiais presentes, ele tenta fazer o teto desabar, para matar todos os humanos presentes.
Antes de a bomba explodir, enquanto o Capitão Marvel ainda vivia, Norman precisa julgar se a humanidade teria um futuro, ou não. Espectro o usava como guia para tal, pois uma Força maior deu as visões para Norman e, para Espectro, também era o papel do detentor das visões julgar se a humanidade teria ou não um fim naquele momento. O pastor fica em silêncio, vendo tudo se desdobrar ao seu redor, até que Superman, em fúria, vai para Nova York. Espectro afirma que o tempo havia acabado e que o julgamento já estava feito, porém, Mccay se enfurece com seu transportador, exclamando que não viu várias mortes, desastres e crueldades à toa, apenas por assistir e para, no fim, o mundo terminar.
Norman exige que seja levado até as Nações Unidas, vislumbra a cólera do kryptoniano e tenta falar com aquele que, um dia, já foi Clark Kent. O pastor conhece Superman. Ele o acompanhou durante sua atuação como herói e o viu no íntimo de seus pensamentos junto a Espectro.
***
– “Clark, não! Você se culpa pelo Capitão Marvel… Por Magog… por dez anos que terminaram hoje. Sua raiva… Ela o está fazendo esquecer de novo o que os humanos sentem. O que eles temem. Você não será perdoado por isto, Clark. Perdoe a si mesmo.
– Quem é… Por que está aqui?
– Para testemunhar. Clark… de todas as coisas que pode fazer… Todos os seus poderes… O maior sempre foi o seu conhecimento instintivo… Do certo… e do errado. Ele foi uma dádiva da sua própria humanidade. Você nunca precisou questionar suas escolhas. Em qualquer situação… Qualquer crise…você sabia o que fazer. Mas no minuto em que tornou o Super mais importante que o Homem… quando decidiu dar as costas à humanidade… isso lhe custou seu instinto. Sua capacidade de julgar. Recupere-a. Se querredenção, Clark… Ela repousa na sua próxima decisão. Tome-a como umHomem”.
***
Por fim o Homem de Aço se rende à razão. Ele tentou agir como um Deus, no fim, um controlador com vontades absolutas em relação ao mundo. Ele agia como se pudesse consertar tudo à sua volta, mas ignorava com que facilidade o estado das coisas muda e fica fora de controle. Superman, afinal, também era um Homem do Amanhã tanto quanto os sujeitos que ele se esforçou para prender. Ignorar a humanidade, com o intuito de ajudá-la, foi a sina para todos os seus planos.
Depois do sermão do pastor, ele percebe a gama de erros que cometeu. Ele realmente se viu como o mediador-mor da humanidade, se enxergando como um protetor para além do Homem, um verdadeiro meta-humano. No fim, por se considerar o Atlas da virtude salvífica, se colocou fora da humanidade, a considerando inferior – da mesma maneira que as facções dos novos heróis, antes, fizeram.
Como um kryptoniano sob o efeito da luz solar, ele supera a humanidade em todos os quesitos físicos. Ele pensa mais rápido, é mais forte, veloz, resistente, tem super-sentidos, etc., porém, não é isso que o fazia ser importante, superior. Eram suas noções sobre o que era verdadeiro e falso, certo e errado, verdade e mentira que o mantinham na linha, que o guiavam para o caminho correto; noções metafísicas, que não dependem do biológico, material, para existirem. No fundo, ontologicamente, não havia meta-humanos, mesmo com esses sendo física e mentalmente superiores.
Os protetores da humanidade, os salvadores do mundo, no fim, eram seus carrascos, seus verdadeiros ditadores, pois acreditavam estar trabalhando para um mundo melhor se colocando fora dele, em essência. Os Homens do Amanhã, aqueles mais descolados para um novo mundo, uma nova geração, jamais se olharam no espelho. Nunca duvidaram de si mesmos e do que estavam fazendo, não tendo autocrítica.
Por mais que, como disse acima, não faça sentido afirmar se é uma obra de “esquerda” ou de “direita”, pois ela se adequa a casos conservadores e progressistas ao mesmo tempo, é vero que não é possível não fazer paralelos com a História e o presente. Há mia semelhança entre os Homens do Amanhã (6) e os movimentos progressistas, ávidos para salvar o mundo, mas que se esquecem da sua própria humanidade falha, de que podem, também, serem monstros dentro de suas regras. Dizer que só há racismo para com pessoas não-brancas, que homens não podem opinar sore a violência contra a mulher, só por serem homens, e a divisão clara e cristalina da sociedade entre vítimas e opressores é uma evidência clara disso.
Não existem Homens do Amanhã, tampouco salvadores do mundo, mas apenas Homens e apenas o mundo. A maior qualidade a se conservar nele é saber, “apenas”, o que é o certo e o que é o errado, pois não há como transcender a isso, a tal metafísica, pois não há como transcender a própria humanidade e, no fim, ser um meta-humano.
Não existem Homens do Amanhã, nunca existiram ou existirão, mas o que sempre irá existir, sempre, é o Homem do Presente, uma humanidade igualada para além da física, por um cerne metafísico – uma igualdade – que não permite, de forma alguma, aos Homens colocarem-se, em essência, acima dos outros.
1 –  http://www.sentinelalacerdista.com.br/beleza-salvadora-do-homem/– com atenção à política banhada no sofismo.
2 –  O Espectro é um dos personagens mais poderosos da DC. Ele é um espírito que possuiu um policial, Jim Corrigan, para punir almas corruptas, sendo um espírito vingativo; a característica mordaz do Espectro vai se perdendo com o tempo e atualmente o consideram um anjo caído que conseguiu uma espécie de redenção de Deus – Deus, a Voz, ou a Fonte, é o Criador de todo o multiverso da DC. Todas as histórias bíblicas, no mundo da DC, realmente ocorreram. Espectro, assim como o mago Shazam, fazem parte da Quintessência, composta por seres cósmicos de poderes imensos, que interfere em alguns eventos importantes no universo.
3 – Magog, um antigo herói que deu início a onda dos Homens do Amanhã, foi o responsável pelo exílio do Superman e pelo extermínio do Kansas.
4 – O Rei é um vilão da gangue Royal Flush, que tem a temática de baralho em suas vestimentas.
5 – O Capitão Marvel foi escolhido quando criança pelo mago Shazam e fazia parte da velha Liga da Justiça. Quando o Capitão grita o nome do mago que o escolheu, um raio mágico vem dos céus e o transforma em um super-humano – nessa HQ, Marvel já é adulto e sua vida foi influenciada por Luthor até que chegasse a derradeira hora para suas ações.
6 – Uma prova do quão nojento e mórbido o progressismo pode ser: https://www.youtube.com/watch?v=LLk2aSBrR6U. Se declaram, sem medo, Homens do Amanhã… porque é “2015”. Pouco importa a razão, a qualidade dos ministros… o que importa é que eles são compostos de mulheres feministas e imigrantes.